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Fernando Gomes

Hiperatividade e déficit de atenção aumentam com aulas online

Fernando Gomes

05/06/2020 04h00

53 milhões de pessoas no mundo tiveram os estudos afetados pelo coronavírus, segundo dados da Unesco

 

Crédito: iStock

Assim como com qualquer pessoa, crianças e adolescentes também estão sendo fortemente afetadas pela turbulência de informações que o mundo online está exigindo na quarentena. Os pais precisam ter a atenção redobrada para trabalhar nos pequenos a paciência e a resiliência e ficar de olho no comportamento, que pode ser alterado e desencadear sintomas como a hiperatividade e déficit de atenção.

A falta de rotina causada pelo isolamento pode aumentar o que chamamos de comportamentos inadequados, ou seja, a agressividade, as birras, a impulsividade, a hiperatividade e o déficit de atenção. E sem o professor fisicamente à frente e longe do ambiente escolar, é comum que as crianças se distraiam mais facilmente –o que torna a concentração mais relapsa – ou se agitem pelo excesso de informações através das telas.

Sabemos que a hiperatividade acomete cerca de 3 a 5% entre 6 e 12 anos, mas 50% delas apresentam melhora do quadro na fase adulta. Por outro lado, a dificuldade em se concentrar e controlar impulsos pode estar "escondendo" certas características positivas, como: inteligência acima da média, talento criativo e desenvolvimento privilegiado do afeto e da intuição.

Para entender a diferença entre as duas e ficar atento aos sinais, eu explico melhor:

A hiperatividade é um estado excessivo de energia, que pode ser motora ou mental. Em época de aulas online, ela pode aparecer pelo excesso de informação por trás das telas que sobrecarregam todo o corpo, tanto físico quanto mental, e daí ele funciona como se estivesse trabalhando em demasia: aí está um hiperativo.

O tratamento adequado precisa começar pelo reconhecimento do problema, isso ajuda a tornar as características positivas ainda maiores do que as negativas já que o problema está relacionado basicamente com o funcionamento dos lobos frontais e dos neurotransmissores dopamina, noradrenalina e serotonina. Existem tratamentos neurológicos para esses casos que envolvem medidas pedagógicas, medicamento, neuropsicologia, psicopedagogia e claro, todo o apoio familiar.

Já as informações vindas por um mundo tão tecnológico podem também distrair facilmente a atenção e provocar sinais que trazem o déficit de atenção à tona, mas é importante diferenciar o distúrbio de uma simples distração. Para avaliar se uma criança está apenas demonstrando uma agitação natural diante de tantas novidades ou manifestando um transtorno, alguns sinais podem ajudar.

Os quadros de Distúrbio do Déficit de Atenção são ocasionados por uma disfunção neurológica, que afeta o funcionamento do córtex pré-frontal. Essa é a área do cérebro responsável pela atenção, organização, controle de impulsos e capacidade de expressar sentimentos, entre outras. Tal disfunção se dá, em parte, pela deficiência do neurotransmissor Dopamina.

Ao tentar focar excessivamente focar numa tarefa, ao invés de aumentar, a atividade do córtex pré-frontal da criança pode diminuir, piorando o quadro. Por isso, o diagnóstico deve ser feito de forma precisa, para que o tratamento correto seja iniciado o quanto antes. Esse diagnóstico é clínico, e deve ser obtido em consulta médica a partir dos primeiros sinais de mudanças de comportamento infantil que precisam ser observadas. São elas:

  • Dificuldade em ouvir os outros;
  • Incapacidade de terminar tarefas e concluir projetos;
  • Dificuldade em expressar sentimentos;
  • Sensação de tédio, desmotivação;
  • Dificuldade de ficar parado e/ou ficar sentado por longos períodos;
  • Falar excessivamente ou falar pouco;
  • Dificuldade em aguardar a vez e intromissão ou interrupção (em conversas alheias, por exemplo).

Neurodicas

  • Crie rotina: e, o mais importante: é essencial criar uma rotina diária organizando calendários, quadros de rotinas, determinar horários e ambientes diferentes da casa destinados aos estudos, para às telas, para as leituras e para as brincadeiras e o lazer;
  • Valorize o individual: se de um lado a falta de contato pode atrapalhar o desenvolvimento escolar, de outro, algumas medidas simples como encontrar um esporte prazeroso e de curta duração, com cerca de 30 minutos apenas, que possa ser feito sozinho, de preferência aqueles que trabalham a parte aeróbica, e que não tragam a competição como principal objetivo, ajudam muito;
  • Elogie e engrandeça uma ação concluída com sucesso: os pais têm grande influência sobre o sucesso no desenvolvimento dessas crianças, por isso que os aspectos positivos e os bons resultados, quando aparecerem de verdade, devem ser elogiados. Isso vale para uma tarefa bem-feita, um brinquedo bem montado ou uma brincadeira de uma charada acertada;
  • Cuidado com a punição excessiva e as críticas destrutivas: essas precisam ser evitadas, pois podem provocar o rancor, a mágoa e diminuir a autoestima.
Referência:
Cerrillo-Urbina AJ et al. The effects of physical exercise in children with attention deficit hyperactivity disorder: a systematic review and meta-analysis of randomized control trials. Child Care Health Dev. 2015;41(6):779‐788

Sobre o Autor

Fernando Gomes é neurocirurgião e neurocientista, graduado em medicina pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Concluiu Residência Médica em neurologia e neurocirurgia no HC (Hospital das Clínicas) da FMUSP e possui título de especialista em neurocirurgia pela SBN (Sociedade Brasileira de Neurocirurgia). É pós-graduado em neurocirurgia pediátrica pela World Federation of Neurosurgical Societies, doutor em neurotraumatologia experimental pela FMUSP e professor livre-docente pela disciplina de neurocirurgia da FMUSP. Autor de 8 livros ligados à medicina e ao comportamento humano, consultor e apresentador do quadro “E agora, doutor?” do programa “Aqui na Band” da Rede Bandeirantes de Televisão.

Sobre o Blog

Com temas ligados a medicina e a neurociência, esse espaço é dedicado a viajar pelo cérebro humano e desvendar os mistérios da mente. Com explicações simples e embasadas cientificamente, por aqui é possível passear pela maior e mais poderosa máquina que mora dentro da cabeça de todos os seres humanos. E, ao desvendar os aspectos físicos e comportamentais das habilidades, emoções e necessidades do comportamento humano fica mais fácil aplicar técnicas e novos hábitos para que rotina seja leve, saudável e prazerosa e turbinada em todos os aspectos.

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