Relacionamentos e pandemia: distância física muda nosso comportamento
Há algumas semanas era inevitável e extremamente comum encontrar com um amigo ou com um familiar e abraçar, apertar as mãos ou se beijar. Hoje, quando vemos uma cena dessas, ainda que seja pela televisão, já nos causa estranheza. O calor do brasileiro em comprimentos afetuosos e trocas físicas já ficou para trás e historicamente estamos vivendo um novo momento. Será que a era tecnológica, a qual já viemos experimentamos há alguns anos, marcará de vez uma nova maneira de nos relacionarmos?
Para entender melhor, eu proponho uma volta no tempo.
Antes dos anos 1960 as relações eram extremamente conservadoras e as mulheres ocupavam um papel de submissão ao homem além de terem como praticamente as únicas funções os afazeres domésticos e cuidar dos filhos. Nesse tempo, também não existiam muitos parceiros e era comum que uma mulher se relacionasse apenas com um único homem por toda a sua vida.
Foi nessa década, com o Movimento Hippie, que pudemos vivenciar importantes mudanças culturais e de comportamento nos relacionamentos afetivos e amorosos que perduraram por anos. Nessa época, as mulheres começaram a queimar sutiãs em praças públicas, o que, simbolicamente, significaria que não eram apenas um objeto de reprodução e desejo sexual. O movimento feminista ganhou forças assim como a revolução sexual que quebrou o tabu da virgindade como uma forma de libertação. A pílula anticoncepcional e a camisinha viraram arma na luta pelo prazer, além de permitir que o sexo e os beijos pudessem ser trocados em larga escala. Assim, os números de relacionamentos acumulados ao longo da vida e mudanças de parceiros se tornaram comuns.
Com tanta liberdade, na década de 1980, o vírus do HIV veio para mudar esses costumes, acumulando 25 milhões de mortes em 25 anos. Essa foi uma epidemia que abalou economias, destruiu populações e mudou de vez as relações. Como o contagio se dava principalmente pelo sexo, a revolução sexual causada nos anos 1960 e 1970 deu lugar à era do "sexo seguro", com a redução do número de parceiros e com o uso de preservativos.
Na pandemia atual, o contagio se dá pelas gotículas de saliva e secreções buco-nasais, então o beijo se tornou altamente restritivo e com isso, as novas formas de relacionamentos devem mudar ainda mais, e será preciso mais uma readequação.
Ao mesmo tempo, curiosamente, a tecnologia e a internet já dominam nosso mundo há anos. Há algum tempo já foram desenvolvidas modalidades de interação como encontros e congressos virtuais, teleconferências, educação à distância, comércio online, etc. Se por um lado isso permite reinventar a maneira de se relacionar em caráter emergencial diante dessa crise, para o cérebro isso só serve como acalento momentâneo e a explicação é fisiológica.
Como o nosso cérebro trabalha com recompensas, ao abraçar –ou ser abraçado –ativamos o circuito mesolímbico dopaminérgico, região responsável por emoções agradáveis e uma descarga de neurotransmissores (dopamina e ocitocina) e substâncias que causam bem-estar são disparadas para todo o corpo, causando a sensação de conforto que só um abraço bem apertado, de alguém de quem gostamos, é capaz de causar.
Além de ser um ato de carinho, o abraço também é capaz de estimular as funções cerebrais e ativar os cinco sentidos. Com este contato físico afetuoso pode-se aguçar a audição, a visão, o olfato e o tato. Se ele vier acompanhado de um beijo, o paladar também é ativado e o cérebro fica sensibilizado pela proximidade física, pela troca de 'energia' entre duas pessoas. Quem recebe o abraço também experimenta a aceitação do outro e isto pode ser muito bom para transmitir amor, respeito e elevar a estima – coisas que o mundo virtual é incapaz de oferecer.
Um outro fato curioso é que, antes da existência dos aplicativos de relacionamentos e das redes sociais, o mais comum era que as pessoas se conhecessem através de amigos, o que dificultava e muitas vezes atrasava esses encontros pessoais. O problema é que isso, somado à sensação de que está mais fácil entrar e sair de relacionamentos, pode levar à banalização desses comportamentos.
Um levantamento do aplicativo Happn em parceria com o YouGov mostrou que 82% dos jovens acreditam que ficou muito mais fácil flertar após o surgimento dos sites e apps. Esse pode ser um efeito negativo e uma grande prova de que as relações –por mais moderno e tecnológico que seja o mundo – ainda necessitam de um contato físico, pelo menos enquanto o cérebro humano ainda estiver programado para tal.
Por enquanto, a tecnologia da comunicação à distância não consegue acionar mais que dois sentidos diretamente, a visão e a audição. E o olfato que tem entrada direta para áreas cerebrais relacionadas ao prazer e à memória (área septal e uncus) apenas é possível através do contato humano presencial.
Neurodicas:
- Em época de pandemia, as trocas de carinhos feitas remotamente servem como forma de aproximação, ainda que virtual. Aposte nelas;
- Não deixe de dizer que ama, que gosta e que sente saudades. O distanciamento é social e não emocional;
- É fundamental ter um canal aberto de comunicação com as pessoas que moram com você para que as relações afetivas e emocionais sejam mantidas. Todo comportamento unilateral, sem abertura a quem está ao seu lado, pode ser danoso para o sistema psíquico, podendo levar até a doenças emocionais;
- Mantenha o autocontrole e compreenda que em tempo algum uma pandemia durou para sempre. Não estamos vivenciando a primeira, e possivelmente não será a última. Isso vai acabar e se tivermos inteligência emocional, interpessoal e existencial para passar por isso, certamente iremos sair dessa mais inteligentes do ponto de vista mental e emocional.