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O que acontece no cérebro ao ouvir uma história e como aproveitar isso

Fernando Gomes

31/01/2020 04h00

Crédito: iStock

Parece simples, mas já parou para pensar porque muitas vezes você quer lembrar de uma história, mas não consegue se recordar de alguns pontos? Ou, porque alguns fatos isolados que parecem nem ter tanta importância acabam se fixando na sua mente a ponto de não te deixar esquecer nenhum detalhe? São as peças que o seu cérebro pode pregar em você.

O que ocorre é que quando você ouve uma história, partes do seu cérebro são ativadas de modo semelhante a um quebra-cabeça, daqueles que você consegue encaixar peça por peça dentro de suas próprias ideias e experiências e assim, a assimilação de fatos melhoraram o poder de fixação na sua mente. É o poder da neurociência a favor da comunicação que se desenrola mais rapidamente quando um conteúdo é transmitido em formato de um discurso, ou seja, narrado com começo, meio e fim e assim, é possível prender mais a atenção de quem escuta e demorar mais para ser esquecido.

Esse efeito acontece graças a um processo chamado de "neural coupling" (algo como 'acoplamento neural'). Enquanto uma história é contada, o ouvinte experimenta uma atividade cerebral similar à dos outros ouvintes e à de quem conta a história. Em narrativas de emoção intensa, o cérebro libera dopamina, neurotransmissor envolvido no controle de movimentos, aprendizado, humor, emoções, cognição, sono e memória.

O processo se inicia quando captamos informações através dos olhos, assim elas são encaminhadas para diferentes partes do córtex visual. O córtex frontal recebe informações operacionais de curto prazo como as de utilização imediata que são encaminhadas para o hipocampo responsável pelo armazenamento em longo prazo que utiliza fatores emocionais vinculados a tais informações para que estas possam ser reativadas quando precisamos lembrá-las.

Eis aí então o grande trunfo: os fatores emocionais que envolvem todas as questões e nos auxiliam no processo de memorização são formados por conexões neurais localizadas na amígdala permitindo a ação rápida. No cerebelo e nos gânglios da base são memorizadas habilidades e hábitos inconscientes como andar de bicicleta, dirigir e outros (já falamos deles por aqui no blog em outros textos).

Quando então processamos os fatos e histórias que escutamos, duas áreas do cérebro são ativadas: broca (responsável pela produção da linguagem) e wernicke (responsável pelo conhecimento, interpretação e associação das informações). Uma história bem contada pode ativar ainda mais áreas, como o córtex motor, sensorial e frontal. Rico em neurônios, o córtex é o local no cérebro humano de representações simbólicas a famosa assimilação que muita gente utiliza quando precisa estudar para uma prova ou decorar alguma coisa.

É por isso que quando você consegue provocar esses efeitos emocionais em quem está ouvindo a sua história e isso vale também na hora de ensinar e aprender na escola também as chances de ganhar o carisma e a memória do receptor é imensa já que um adulto geralmente absorve cerca de 100.500 palavras por dia (é com esse "limite" de capacidade que você disputa quando quer atenção das pessoas). É o equivalente a mais ou menos 400 parágrafos de texto lidos diariamente por uma pessoa —e aqui entram os inúmeros e-mails que você lê, todas as informações disponíveis nas redes sociais, os livros, as reportagens, os artigos, e por aí vai.

Assim, com uma boa história, contada com riqueza de detalhes, fazendo o uso de elementos que facilitem o entendimento, eleva o poder que a comunicação possui de atingir inúmeras pessoas em apenas alguns minutos. E o mesmo vale para um aprendizado com você mesmo: ao tentar aprender alguma coisa, construa uma boa narrativa mental que se assimile e se adeque ao seu modo de entendimento. Tenho certeza que isso vai funcionar e com apenas algumas dicas você vai pregar peças no seu cérebro e não o contrário. Aprenda a trabalhar com a sua mente totalmente a favor de você mesmo!

Neurodicas

  • Preste muita atenção quando ouvir uma história ou for aprender algo que você realmente precisará usar no futuro;
  • Tente incorporar sentidos e relações que te ajudem a assimilar fatos;
  • Conte sempre uma história tentando montar uma narrativa detalhada com começo, meio e fim;
  • Associe informações com imagens. A memória fotográfica é uma das artimanhas do seu cérebro;
  • A nossa cabeça se assemelha a um computador, em que é necessário separar bem os arquivos em pastas devidamente organizadas, para evitar confusões e a perda de dados;
  • Não deixe as informações soltas: anote, separe, desenhe esboços, esquemas e organize a sua mente.
Referência:
Suzuki WA et al. Dialogues: The Science and Power of Storytelling. J Neurosci. 2018 Oct 31;38(44):9468-9470.

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Sobre o Autor

Fernando Gomes é neurocirurgião e neurocientista, graduado em medicina pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Concluiu Residência Médica em neurologia e neurocirurgia no HC (Hospital das Clínicas) da FMUSP e possui título de especialista em neurocirurgia pela SBN (Sociedade Brasileira de Neurocirurgia). É pós-graduado em neurocirurgia pediátrica pela World Federation of Neurosurgical Societies, doutor em neurotraumatologia experimental pela FMUSP e professor livre-docente pela disciplina de neurocirurgia da FMUSP. Autor de 8 livros ligados à medicina e ao comportamento humano, consultor e apresentador do quadro “E agora, doutor?” do programa “Aqui na Band” da Rede Bandeirantes de Televisão.

Sobre o Blog

Com temas ligados a medicina e a neurociência, esse espaço é dedicado a viajar pelo cérebro humano e desvendar os mistérios da mente. Com explicações simples e embasadas cientificamente, por aqui é possível passear pela maior e mais poderosa máquina que mora dentro da cabeça de todos os seres humanos. E, ao desvendar os aspectos físicos e comportamentais das habilidades, emoções e necessidades do comportamento humano fica mais fácil aplicar técnicas e novos hábitos para que rotina seja leve, saudável e prazerosa e turbinada em todos os aspectos.

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